Os novos rumos da geopolítica do Oriente, a partir da vitória do Taliban.
*Por Gilliam Nauman Iqbal
O evento do 11 de Setembro, talvez seja o ponto
de partida mais emblemático para discorrermos sobre o Taliban. Isso porque, os
Estado Unidos atribui a autoria do suposto atentado (suposto, tendo em vista
que a implosão das torre gêmeas é algo no mínimo esquisitos), à Osama Bin
Laden, que se encontrava no Afeganistão neste momento, após sua estadia no
Sudão e apoio financeiro e estrutural a este país. O que nos foi contado, é que
os Estados Unidos invadiu o Afeganistão para captura de Osama Bin Laden. O que
não nos foi contado, é que a época do “ataque” ao World Trade Center, Osama Bin
Laden havia se retirado do Sudão, para evitar que os Estados Unidos
interferisse e apoiasse um golpe para colocar no poder um governo que seguiria
suas orientações, viajando para o Afeganistão a convite de Mulah Omar. A partir
da negativa do líder do Taliban, em entregar Bin Laden, os Estados Unidos tem
aí o pretexto que queria para invadir o Afeganistão.
Após esse recorte, o Taliban, antes um
desconhecido do Ocidente, passa a ser um nome recorrente nas mídias mundiais.
Mas esse movimento tem uma trajetória longa e conhecida do Oriente.
Após sua formação, o Taliban seguiu
conquistando muitas vitórias contra seus inimigos e assumiu o controle de uma
grande área do Afeganistão. Sua formação está intrinsecamente ligada a cultura
e ao código social do povo pashtun. “Por serem extremamente independentes, os pashtuns
sempre tem defendido sua terra natal contra invasores estrangeiros” (MILITARY
Review, Setembro – Outubro 2008). A União Soviética sempre tentou investidas no
território afegão. No século XX, o Afeganistão experimenta a estabilidade no
governo de Zahir Shar, mas em 1978, por influência da URSS, o governo é tomado
pelo Partido Democrático do Povo Comunista do Afeganistão. Historicamente, o
povo afegão sempre sofreu disputa de territórios e tentativas de invasões, o
que os levou a constituir seus grupos de resistência, entre eles, os chamados Mujahidin,
grupo que deu origem ao Taliban. A fim de combater a resistência ao governo
aliado, a União Soviética despejou suas tropas no Afeganistão, em 1979. O saldo
da ocupação militar soviética foram a morte de 1,3 milhão de afegãos,
destruição da agricultura e da zona urbana e a fuga para campos de refugiados
de 5,5 milhões de afegãos, no Irã e Paquistão.
Em fevereiro de 1989, os soviéticos
retiraram suas tropas, mas deixaram grandes depósitos de armamento para o
suporte do governo aliado. Porém, esse apoio material minguou em 2 anos até
cessar em definitivo, deixando a gestão comunista às própria sorte. A falta de
suporte e a guerra civil estourada em 1992, levou o governo comunista a renunciar
no mês de abril.
Os grupos resistentes ao governo
comunista, os Mujahidin, foi uma resistência forjada nas madrassas wahabes de
influência paquistenesa, uma vez que a presença wahabista era muito forte nessa
região. Os estudantes dessas madrassas, em sua maioria pashtun, absorveram a
forma de interpretação dessa linha, que se propõe a um radicalismo que desvia a
real interpretação do Alcorão e do código de leis Islâmicas, a Sharia. Os
estudantes (talib) dessas madrassas apresentaram propostas mais conservadoras e
o discurso de que essas propostas estavam mais alinhadas ao islã, ganharam
forte popularidade entre o povo afegão, que estava esgotado com a guerra civil.
Além da formação ideológica, o Paquistão
foi responsável pelo treinamento e financiamento dos Mujahidin, agora denominado
Taliban, via Estados Unidos.
Após conquistar Candahar, em 1994, o líder
do movimento Mulah Muhammad Omar consolida sua liderança perante o povo . Posterior
a esse evento, o Taliban teve sucessivas vitórias e em 1997, eles já
controlavam 95% do território afegão.
Inicialmente, o Taliban conquistou o apoio
e a simpatia popular, inclusive a níveis internacionais, no entanto, a sua
interpretação fechada e ultraconservadora da Sharia, fez com o grupo se
perdesse em seu projeto, causando forte opressão na população, principalmente
em mulheres. Muito embora esse fundamentalismo tenha sido o pior inimigo do
Taliban, não se pode negar que o país alcançou alguma estabilidade,
reconstrução da economia e a pacificação civil por alguns anos.
A relação dos Estados Unidos com o
Paquistão, é algo que merece uma análise a parte e que nos ajuda a entender as
afirmativas entre estudiosos e leigos (que reproduzem a informação sem uma
análise profunda) de que o Taliban foi uma criação norte americana. Adoto o
pensamento de que a fome do imperialismos soviético causou a reação de
indignação na parcela da população que não se vendeu à gerência estrangeira.
Essa indignação foi a mãe dos Mujahidin. Sem recursos e a necessidade de um
preparo para a luta armada, esse suporte veio através do vizinho Paquistão, que
ofereceu a base organizacional e estrutural através do financiamento norte
americano.
Penso também, ser ingenuidade acreditar
que a União Soviética queria implantar um governo socialista nessa região. A
União Soviética, que buscava se consolidar como potência, em um momento de
bipolarização entre socialismo x capitalismo, era fundamental, dominar um
território que lhe possibilitasse o desenvolvimento naval, já que URSS não tem
mar e o Afeganistão seria uma região que garantiria o controle de outros
territórios ao redor. Em tais circunstâncias, os Estados Unidos necessitava
encontrar uma estratégia que não permitisse que a União Soviética despontasse
como potência superior a ele. Todas essas relações devem ser consideradas e
analisadas, para que possamos entender o papel do Taliban no game dos
interesses imperialistas.
Sem o controle do Afeganistão, os Estados
Unidos buscou várias formas de ter esse acesso, estabelecendo uma relação de
trocas com o Paquistão. Mas o que há por traz desse política entre esses dois
países, além do terror diplomático e constante ameaça de invasão ao Paquistão?
A concessão de bases militares aos Estados Unidos, as quais se integraram
indianos, e tantas outras situações que levaram os Estados Unidos a contar com
a possibilidade de que tinha o Paquistão em suas mãos, a injeção de capital
norte americano nessas empreitadas em território paquistanês, foram elementos
sabiamente usados pelos paquistaneses que, muito embora concedesse facilidades aos EUA, ao
mesmo tempo, ajudava na estrutura do Taliban com esse mesmo capital. Há muito
mais coisas que não sabemos nessas relações de poder, do que se possa imaginar.
Faremos um salto agora, haja vista que há
muito a discutir e este pequeno e humilde trabalho, não dará conta de tal
abrangência. Sem o controle do Afeganistão, os Estados Unidos tem, na ocasião
do 11 de Setembro, a oportunidade de criar um pretexto para invadir o país.
Após o trabalho como agente da CIA, a
figura de Osama Bin Laden, que pertence uma família riquíssima no Oriente, passa
a integrar as lutas revolucionárias pelo islã. No momento desse contexto, Bin
Laden encontravasse no Sudão, na trabalho de colaboração financeira para
alavancar o país. Os Estados Unidos, que também queria um governo no Sudão,
aliado a eles, buscava a trama para matar Bin Laden e articulava um golpe para
colocar no poder um grupo que governasse o Sudão e lhe desse apoio e abertura
neste território. A partir disso, Osama se retira para o Afeganistão, sob a
proteção de Mulah Omar. No momento dos supostos ataques às Torres Gêmeas, Osama
Bin Laden estava como hóspede do líder Taliban.
Os Estados Unidos pede a entrega de Osama
e tem seu pedido recusado por Mulah Omar, o que se torna o pretexto ideal para
planejar a operação Enduring Freedom, na qual as tropas norte americanas
invadiram o Afeganistão e desmantelaram o país e o Taliban. Muitos combatentes
do Taliban se incorporaram à sociedade como pessoas comuns, e os líderes
passaram a viver na clandestinidade, ressurgindo em grupos de insurgentes.
Durante todos esses anos de ocupação norte
americana, o que se pode analisar, é que os Estados Unidos nunca teve o
controle total da região. Os governos que sucederam a queda do Talibã e que
foram colocados no poder pelos Estados Unidos, o que já derruba a visão de uma
escolha democrática deste povo, não foram capazes de oferecer à sociedade afegã
um desenvolvimento próspero e hoje se observa um Afeganistão arrasado,
desemprego, miséria e desordem. Esses governos também não foram capazes de
conquistar a confiança e acolhida de uma boa parte da população. Talvez seja
possível entender por esse viés, a razão pela qual os movimentos de insurgência
foram ganhando força gradativamente no país.
Entendo que, nenhum movimento de resistência se agiganta, sem apoio
popular.
Essa insatisfação com o atual cenário e a
percepção que sempre foi presente entre o povo pashtun, e isso está enraizado
em seu código relacional social quanto à sua autonomia e resistência aos invasores,
criaram as condições necessárias que levaram ao recrutamento de novos membros
aos núcleos de resistência administrados pelo Taliban.
Entendam que a discussão aqui, é uma
proposta de análise sob a perspectiva de resistência ao imperialismo e não tem
a intenção de negar os erros cometido pelo Taliban. Não se trata de
santifica-los ou demoniza-los. É antes de tudo, uma leitura de que é possível
resistir aos que desejam o controle de seu povo, o desmonte de sua cultura, a
demonização de sua religião e milhares de outros ônus que o imperialismo obriga
aos seus subjugados.
Talvez, em maior instância, o Taliban
tenha contribuído para que este mesmo imperialismo encontrasse espaço entre os
seus. As mentes já colonizada no Afeganistão não deixa de ser um número
expressivo. Penso que o próprio grupo é capaz dessa autocrítica e que os anos e
o recrutamento de novos integrantes, foram elementos que corroboram para uma
nova visão e estratégia do Taliban.
Também é ingênuo pensar, que essa retomada
do poder em agosto de 2021, não tenha sido fruto de muitas conversações. Mas no
jogo geopolítico nesse momento, talvez não caiba o derramamento de sangue e a
violência exacerbada. É preciso inteligência, cautela e estratégia para se
consolidar novamente e perceber o que sua população espera sem se desvirtuar de
sua religião e seus códigos. Um governo fortalecido e que não dá espaço à
controles externos e defende suas riquezas da exploração do colonizador,
precisa do apoio maciço de seu povo.
A questão de gênero no Afeganistão, talvez
tenha sido umas das munições mais fortes contra o grupo, em relação a opinião
pública internacional. Após o episódio do 11 de Setembro, a religião Islâmica
ficou evidenciada para o mundo como algo perverso. Isso trouxe à tona, as
particularidades e características da base ideológica do Taliban, ao mundo. A
interpretativa radical e deturpada da Sharia, que mais desfavoreceu as
mulheres, proibindo-as de frequentar escolas e ao uso compulsório da burka, foi
e é a grande tônica na negativização do Taliban para a opinião pública mundial.
A ignorância mesclada com preconceito e ódio, levou o mundo a ver o islã, a
partir desse recorte, desse país de muçulmanos. É fato que, o islã possui um
modo diferente de estabelecer suas relações sociais, nas mais diversas
instâncias, muito diferente do que há no Ocidente. No entanto, o islã sustenta
a máxima de que, a busca pelo conhecimento deve tocar a todos os seus
seguidores, sejam homens ou mulheres, e a negação ao acesso escolar para mulheres,
fere esse princípio, assim como o uso da burka, que deveria configurar como uma
escolha, já que o islã orienta guardar os corpos, sejam eles femininos ou
masculinos.
Analiso que, essas questões que são braços
da proposta deste artigo, não podem descredenciar a luta destes homens por
anos, contra as investidas imperialistas. É necessário fazer a crítica mas
resguardando a separação dos erros e dos esforços empregados em uma gestão
tipicamente afegã, sem o controle e a exploração de outro país.
O atual cenário, nos sugere um contexto
novo e que traz muitas informações que anunciam uma forte mudança na
geopolítica dessas bandas de cá. A China agora, é o “cajado do profeta Moisés”,
dividindo o mar para a passagem de um povo sob o domínio de outro. Será a China
um caminho seguro aos países Islâmicos? Creio que não. No entanto, é preciso
correr riscos para se fortalecer. Hoje a China propõe uma grande parceria com
os países muçulmanos, principalmente o Paquistão. A partir dessa “parceria”
será possível a formação de um bloco de cooperação econômica entre esses
países, o que poderá fortalecer a economia dessas nações. O projeto da grande
estrada que interliga vários países menores como Azerbaijão, Bangladesh,
Afeganistão, entre outros, a partir do Paquistão, até a Turquia, para escoar
mercadorias da China, dinamizará a economia desses países. Uma economia
estruturada propõe um país fortificado e menos suscetível ao imperialismo. Isso
também fortifica a sociedade e fortalece a religião. Claro que esses países
ficam na observância do oportunismo chinês sempre.
O Taliban de hoje, tem ciência de toda essa
trama. É necessário se abrir para criar raízes fortes e elevar o povo afegão.
No tabuleiro temos a aproximação com a China e o apoio do Irã, antes um inimigo
por questões político-religiosas, no tocando ao conflito com os xiitas.
Há alguns pontos que merecem
esclarecimento e que estão presentes na mentalidade coletiva mundial no sentido
negativo ao movimento Taliban. Um deles é a questão do tráfico de drogas. O tráfico
de drogas sempre foi um grande negócio, gerido pelos Estados Unidos. Um negócio
que movimentava 15 bilhões de dólares anuais e que muitos atribuíram ser um
empreendimento do Taliban. As grandes fazendas com plantações de papoula
movimentavam um imenso mercado com a venda de drogas produzidas a partir dessa
planta. O principal mercado consumidor desse produto cujo fornecedor é os
Estados Unidos, era América Latina e o Brasil estava entre seus compradores.
Agora, as fazendas foram queimadas pelo Taliban.
Muito se fala também que não foi uma
vitória honrosa do Taliban, porque não houve uma guerra que dizimasse centenas
de vidas e o que talvez custasse mais ódio ainda pelo mundo islâmico, já que as
pessoas não tem ou não querem ter as informações necessárias para fazer suas
considerações. O Taliban agiu no sentido de desgastar o governo e o controle
imperialista dos Estados Unidos. Havia um acordo sim, uma vez que os Estados
Unidos já não tinha mais condições de sustentar a invasão ao país. O acordo
previa a libertação dos prisioneiros afegãos, a retirada das tropas, o exílio
do ex presidente Ashraf Ghani.
No atual momento, o Taliban discute sua
nova estrutura e organização. Ainda não existe conformidade sobre os nomes
definitivos no organograma gestor do país. Mas existe uma sólida proposta de
uma administração mista, que oportunizará representatividade das tribos pashtun
e de outras discidências Islâmicas, como xiitas. O nome mais forte para esse
primeiro momento é Habaitullah Akhundzada.
As informações trazidas aqui, são frutos de
leituras das fontes empurradas de uma forma violenta, para a colonizada
formação de nosso conhecimento, pois é a grande verdade: não sabemos muita coisa,
pois a manipulação de informações, nos forma preconceituosos, com leituras de fontes
produzidas por pela ótica dos que sofreram nesse contexto de opressão, a coleta
de muitas conversas com indivíduos que são partícipes de movimentos anti
imperialistas no Paquistão e que estiveram ao lado do Taliban, no combate ao
inimigo comum e a minha fantástica experiência in loco.
Dedico estas poucas palavras, diante da
imensidão deste tema, ao meu pai Muhammad Iqbal Abid, ao meu esposo Muhammad
Nauman Iqbal, homens libertadores e combatentes pelas justas causas de nossa religião,
sempre dispostos às Jihads para a defesa dos nossos irmãos, ao movimento Khaksar
Tehrik, que há de ser gigante neste mundo, levando ideias de equidade e justiça,
numa perspectiva racional e Islâmica, à minha família no Brasil, de quem sinto
imenso orgulho e saudade eternas de meu pai, aos amigos que fizeram seus
contrapontos aos meus pensamentos de forma honrosa, respeitosa e política e aos
amigos que comungam de minhas conexões de pensamento. Gratidão.
*Gilliam Nauman Iqbal é uma mulher
muçulmana, feminista, ativista política e pró Palestina, formada em História
pela Universidade Estadual do Maranhão, pós graduada em Sociologia das
Interpretaçōes do Maranhão, povos e comunidadea tradicionais, estudante de
Fotojornalistico pela Universidade Cruzeiro do Sul, Presidente do Instituto de
Estudos e Solidariedade para Palestina Razan al-Najjar.
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